segunda-feira, 24 de julho de 2023

- A vida dá voltas | Ep. #3

Ep. #3 – Uma falsa apresentação


 
Como se não tivessem havido surpresas suficientes, chamaram-na para a reunião de apresentação aos membros da direção da empresa, onde acabara de ser contratada.

Diamantina esperou 30 minutos sentada na receção. Não que a reunião tivesse atrasado, ela é que chegou cedo de mais.

Sempre foi uma pessoa de acordar muito cedo facilmente, mas dados os acontecimentos da noite anterior, tinha sido muito difícil. Depois da noite completamente surpreendente que teve, estava uma pilha de nervos, como poderia alguém dormir com tanto por processar?

Lembrava-se perfeitamente de tudo e conseguia inclusive sentir o cheiro de cada momento, fechando os olhos e concentrando-se em cada memória.


Tinha saído na noite anterior apenas para caminhar um pouco pelo jardim, para respirar e tentar acalmar os pensamentos, de forma a dormir o melhor possível. Estava uma noite incrível, quente, céu estrelado, e uma brisa de vez em quando, que dava um certo encanto. Mas uma nova aventura esperava por si, no banco de jardim do qual se aproximava.

Enquanto caminhava pelo jardim, pensou que seria boa ideia sentar-se um pouco. Nesse preciso momento, refletia sobre o quanto a sua vida tinha mudado nos últimos tempos. Tinha-se mudado para uma nova cidade há poucos dias, já tinha conseguido um emprego, e aos poucos tudo se estava a compor.
Isto tudo depois de uns meses difíceis de recuperação, na sua cidade natal, onde apesar de ser feliz, sentia que lhe faltava algo. Tinha feito operação de mudança de sexo, que fazia sentir-se melhor em relação a como se identificava. Por isso, e não só, decidira abandonar a sua cidade, onde estavam os seus pais que tanto gostava, à procura de uma vida nova.
Ao sentar-se no banco de jardim, involuntariamente disse em voz alta a frase que estava a pensar:

“Quando achamos que somos felizes, passa uma brisa que não achámos possível e vira tudo do avesso. E mais para a frente, entendemos que ser feliz não tem uma definição só. E que podemos sempre ser mais felizes, de formas tão diferentes.”.
Subitamente reparou que estava uma mulher deitada na relva junto ao banco, imóvel, a chorar, e a observar o céu estrelado. Esta levantou-se e começou a questioná-la.
Poucos segundos depois, sentou-se no mesmo banco, continuando a conversa que mostrava ter potencial. Chamava-se Angelina.

A noite passou num instante. Falaram imenso enquanto caminhavam, e a certa altura entraram num bar.
Parecia que já se conheciam há muito tempo e a cumplicidade era estranhamente grande. Tudo estava a correr bem, beberam, riram, dançaram até que subitamente, beijaram-se!
Era uma situação nova para ambas!
Angelina, saiu de rompante.

Ao chegar a casa, foi direta para o banho, onde água do chuveiro corria e o vapor acumulava-se no ar. Os primeiros raios de sol surgiam por uma pequena janela e eliminavam a necessidade da luz artificial. Tinha sido uma noite intensa. À porta tinham ficado os sapatos, que dançaram quilómetros, música após música sem parar. Colocou-se debaixo do chuveiro, com a água a ferver. Baixinho tocava mais uma música vinda do seu telefone e não conseguia parar, mesmo descalça, mesmo molhada, mesmo exausta, os seus pés reagiam ao som.
Lavava cada madeixa do cabelo com o nervosismo e ânsia de quem tem medo de apagar uma mágoa mágica, um pecado luxurioso cometido numa noite ímpar. Tinha-se apaixonado.
Saiu do banho, secou o corpo cansado da noite agitada e vestiu a sua melhor roupa, para o primeiro dia da sua nova aventura profissional.
Tinha sido contratada como diretora de marketing numa empresa muito conceituada e em rápida ascensão. Estava entusiasmadíssima!
Ainda faltava algum tempo para a reunião de apresentação, mas decidiu ir andando.


Chegou, falou com a rececionista, e sentou-se numa cadeira enquanto aguardava. Tinha músicas a tocar na cabeça, as quais tinha dançado horas antes. Se fechasse os olhos, conseguia teleportar-se momentaneamente e sentir tudo como se ainda estivesse lá.

Uma pessoa alta e magra, aproximou-se. Finalmente, a diretora, a Teófila, tinha ido recebê-la:

“Olá Diamantina, bem-vinda ao primeiro dia do resto da sua vida!” - Cumprimentou-a, com um aperto de mão, que, com desapontamento, não tinha a mesma determinação da frase que acabara de dizer – “Pode seguir-me, já estão todos à nossa espera.”.
Dirigiram-se até ao elevador. Subiram até ao último andar e iniciaram a travessia do corredor principal, que dava acesso à sala de reuniões da direção.
A meio do corredor, a diretora recebeu uma chamada no seu auricular, sem que Diamantina se apercebesse. Nesse preciso momento, Diamantina viu uma porta de casa de banho e disse a Teófila que iria só passar para retocar o batom, em 30 segundos – mas como Teófila estava em chamada, continuou a caminhar, sem se aperceber.
De dentro da casa de banho do lado, saiu Hel, que seguiu Teófila - que estava a falar pelo auricular - até à sala de reuniões, com alguma distância.

Chegando à sala de Reunião, Teófila cumprimentou os outros membros e informou:

“Antes de mais, quero que recebam a nossa mais recente contratação, para a direção do departamento de marketing. Finalmente a cadeira vai ser ocupada.” – e quando olha para a porta, surge o Hel.
“Hel?!” – Exclamaram em coro Teófila e Angelina.
“Olá! Precisava só de pedir um favor à Angelina, com urgência!”

Nisto, Teófila olha para o corredor e vê Diamantina a caminho da sala de reuniões:
“Desculpem, a nova diretora já vem a caminho”.

Angelina, muito nervosa, saiu da sala para falar com Hel, lembrando-se que teria de agir com normalidade, como se nada se tivesse passado na noite anterior, pelo menos até saírem da empresa. Os olhos encheram-se de lágrimas, mas fez um esforço enorme para não deixar nenhuma cair.

De repente, com passos pequenos e rápidos, Diamantina aproxima-se da porta da sala de reuniões, e à medida que vai se aproximando, começa a reconhecer Angelina – Estatura mediana, corpo atlético, cabelo loiro, óculos pretos, salto alto, cabelo pelo ombro:
“Angelina?!” - Diz ela muito confusa, enquanto sente o coração a disparar.
Por sua vez, Angelina, que não estava a conseguir respirar muito bem, sentiu-se ainda mais confusa e sem saber o que fazer. Iniciou-se um combate interno entre: a mágoa e tristeza de ter descoberto a gravidez oculta e a traição da melhor amiga e namorado, VS a vergonha de ter beijado uma estranha e estar com vontade de a rever, VS o desejo de abraçar esta nova pessoa, que lhe proporcionou uma noite mágica, agora que a reencontrou inesperadamente, ainda que no lugar mais improvável.