Ep. #1 - Surpresas
Angelina sentiu uma brisa leve na cara.
Abriu os olhos novamente, tinha-os fechado para evitar que as lágrimas lhe continuassem
a escorrer pelo rosto.
A imagem que via, aquele céu estrelado, acalmava-a estranhamente. Como se
estivesse a olhar para uma folha em branco, com muito espaço. Espaço vazio que agora
representava uma infinidade de opções que poderia explorar, embora não se
sentisse de todo pronta para isso.
Deitada na relva de um parque público, numa noite
quente de verão, triste, magoada, confusa e ansiosa, ponderava o que fazer da
sua vida, pois esta estava prestes a mudar radicalmente. Não fazia ideia do que
fazer, estava a tentar manter-se otimista e calma. Devia estar em casa, mas ao
passar no parque, achou melhor ficar por ali até secar as lágrimas.
Minutos antes, numa festa em casa da sua
melhor amiga, tinha descoberto algo perturbador, ao encontrar provas
irrefutáveis.
O facto de trabalhar na empresa da sua melhor
amiga e ter casamento marcado para breve, complicava uma situação já, por si,
conturbada.
Sentia que estava a perder os últimos quinze
anos da sua vida e as melhores relações que tinha, com as pessoas que mais
gostava no planeta. Perdia dois amigos: uma melhor amiga – que era a mulher da
sua vida, e um namorado - que pensava ser o homem da sua vida. Iria também perder
um emprego de sonho, como diretora comercial de uma empresa em expansão
internacional, e anos de dedicação que a tinham trazido ao cargo com que tanto
sonhou.
Não podia escolher ficar com um deles. Eles
escolheram estar com a única pessoa que não podiam: um com o outro.
Três dias antes, tinha tido uma discussão feia
com o namorado, o qual fora de viagem em trabalho (o que acontecia com
frequência) e isso levou-a a querer estar mais tempo com a sua amiga.
Surgiu-lhe a ideia de organizar uma festa surpresa, para celebrar quinze anos
de amizade e todas as aventuras que já tinham vivido, aproveitando para
esquecer a discussão com o seu namorado.
Tendo a chave extra, foi fácil convidar
amigos, preparar comida e bebida, deixar os amigos entrar em casa da amiga, e
ter tudo pronto antes desta chegar a casa, depois de uma sexta-feira de trabalho.
Poucos minutos antes da chegada, decidiu ir ao
quarto da amiga, para esconder um presente: um livro que tinha feito, que
reunia fotos e histórias dos últimos anos. Na primeira página tinha um post-it,
dizendo que tinha descoberto no dia anterior que estava grávida – algo que
queria há muito tempo, e que queria a amiga como madrinha.
Ao procurar um sítio para esconder o presente, encontrou algo que iria mudar a
sua vida estável e acomodada por completo: um teste de gravidez e um armário
com roupas com roupas que reconheceu como sendo do seu namorado.
O maior choque da sua vida.
Saiu de rompante, antes ainda da amiga chegar.
Caminhou com passos rápidos em direção a casa, enquanto chorava como nunca
tinha chorado.
Ao passar por um parque público, decidiu parar, e deitar-se na relva.
Por instantes fechou os olhos. Alguns segundos
depois sentiu uma brisa leve na cara. Abriu os olhos novamente, que tinha
fechado para tentar evitar que as lágrimas lhe escorressem pelo rosto. A imagem
que via, aquele céu estrelado, acalmava-a, estranhamente.
Poucos minutos depois sentiu que não estava
sozinha. Apercebeu-se de que estava uma mulher sentada num banco, relativamente
perto, a observá-la em silêncio.
“Quando achamos que somos felizes, passa uma brisa que não achámos possível e
vira tudo do avesso. E mais para a frente, entendemos que ser feliz não tem uma
definição só. E que podemos sempre ser mais felizes, de formas tão diferentes.”
– murmurou a mulher, com uma voz calma e baixa.
Muito intrigada com a frase, começou a
questionar esta pessoa inesperada e, ao fim de uns minutos, acabou por se
sentar no banco ao seu lado, porque a conversa estava a ser bastante interessante
e até um pouco terapêutica.
Falaram das suas vidas, caminharam, falaram
dos seus problemas, entraram num bar, revelaram segredos, e beberam mais um
copo.
Tudo parecia perfeito, algumas opiniões
complementavam-se, outras nem por isso, mas a discussão de diferenças era
saudável, sempre com muito humor e curiosidade à mistura.
Dançaram ao som de músicas que não ouviam há
muito tempo, e subitamente, beijaram-se.
Mais uma vez, saiu de rompante. Desta vez só
parou em casa.
Ao chegar, seguiu direta para a cama, enquanto
ainda chorava, muito nervosa. Passaram horas até conseguir parar de chorar, o
que só aconteceu por ter adormecido.
Que noite! Como iria conseguir enfrentar o dia de seguinte?
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